Para quem perdeu as duas primeiras partes, volte para ler a 1ª parte e a 2ª parte. Depois volte aqui para acompanhar a última parte desse artigo que, com certeza, ajudou a promover a criatividade em você!
Como a Pixar Promove a Criatividade Coletiva
Ed Catmull (parte 3 de 3)
Tecnologia + arte = magia
Fazer com que indivíduos de disciplinas distintas tratem os colegas como iguais é tão importante quanto fazer com que gente de uma mesma disciplina aja assim. Mas é muito mais difícil. A estrutura natural de classes que surge em organizações é uma dessas barreiras. Sempre parece haver um departamento que se considera e é encarado pelos outros como o mais valorizado pela organização. Há, ainda, a diferença de idiomas falamos por distintas disciplinas, e até a distância física entre um local de trabalho e outro. Em arenas criativas como a nossa, essas barreiras são obstáculos à produção de um trabalho espetacular - e, portanto, temos de fazer todo o possível para derrubá-las.
Walt Disney sabia disso. Na sua opinião, quando a mudança contínua - ou a reinvenção - é a norma na organização, e quando tecnologia e arte caminham juntas, o resultado é mágico. Ao se debruçar sobre o comecinho da Disney, muita gente exclama "Que artistas!". Ninguém dá atenção às inovações tecnológicas. Mas Disney foi o primeiro a usar som na animação, a colocar cor, a misturar animação com atores de carne e osso, a aplicar a xerografia na produção de desenhos animados. Vivia entusiasmado com a ciência e a tecnologia.
Na Pixar, acreditamos nessa íntima interação entre arte e tecnologia e estamos sempre tratando de usar uma tecnologia melhor em cada estágio da produção. Uma frasse de John registra essa dinâmica: "A tecnologia inspira a arte e a arte desafia a tecnologia". Para nós, não são só palavras; são um modo de vida que teve de ser estabelecido e ainda precisa ser constantemente reforçado. Embora sejamos uma meritocracia liderada por diretores e produtores, que sabe que o talento não é distribuído igualmente entre todos, aderimos aos seguintes princípios:
Toda pessoa deve ter liberdade para se comunicar com qualquer outra. Isso significa reconhecer que a hierarquia da tomada de decisões e a estrutura de comunicação de uma organização são duas coisas distintas. Membros de qualquer departamento devem ser capazes de abordar qualquer pessoa de outro departamento para solucionar problemas sem ter de passar pelos canais "certos". Significa, também, que todo gerente deve entender que nem sempre tem de ser o primeiro a saber de algo que está ocorrendo em sua esfera de controle, e que não faz mal se deparar com uma surpresa numa reunião. Dada a natureza complexa da produção de um filme, o impulso a controla com mão-de-ferro o processo é compreensível. Problemas, no entanto, quase que por definição são imprevistos. A maneira mais eficiente de lidar com uma profusão de problemas é deixar que as pessoas resolvam as dificuldades diretamente entre elas, sem ter de sair pedindo autorização.
Todos devem se sentir seguros para dar idéias. Aqui dentro, estamos sempre exibindo projetos ainda em andamento. Tentamos alternar a participação nessas sessões para que sempre haja uma perspectiva nova- e todos na empresa, independentemente da área em que atuam ou de sua posição, terão a sua vez. Fazemos um esforço conjunto para que seja seguro fazer críticas. Daí pedirmos a todos os participantes dessas sessões que mandem e-mails aos líderes criativos indicando de que gostaram ou não, e por quê.
Devemos estar próximos de inovações produzidas pela comunidade acadêmica. Incentivamos nossos artistas técnicos a publicar suas pesquisas e a participar de congressos do setor. Com isso, podemos até entregar idéias de mão beijada, mas seguimos conectados à comunidade acadêmica - conexão que vale muito mais do que qualquer idéia que porventura revelemos, pois nos ajuda a atrair elementos excepcionais e reforça a crença, em toda a empresa, de que as pessoas são mais importantes do que idéias.
Também tentamos derrubar os muros entre disciplinas de outras formas. Uma delas é uma série de cursos que oferecemos na própria empresa, e que chamamos de Pixar University. A meta é capacitar o indivíduo em sua área ou em novas especialidades à medida que avança na carreira. Mas há também diversos cursos opcionais - que fiz muitos deles - para dar a gente de áreas distintas a oportunidade de conhecer colegas e apreciar aquilo que os outros fazem. Alguns (redação de roteiros, desenho, escultura) são diretamente ligados a nossa atividade. Outros (pilates e ioga), não. Um curso de escultura pode misturar iniciantes com escultores tarimbados interessados apenas em aprimorar sua técnica. A Pixar University ajuda a reforçar a noção de que estamos todos aprendendo e de que é gostoso aprender juntos.
Nossa sede, que é fruto da imaginação de Steve Jobs, é outro de nossos recursos para que gente de departamentos diferentes interaja. Enquanto a maioria dos edifícios é projetada para algum propósito funcional, o nosso é estruturado para maximizar encontros fortuitos. No centro há um grande átrio, no qual se encontram o refeitório, salas de reuninão, banheiros e caixas de correio. Com isso, todo mundo tem bons motivos para circular várias vezes por ali durante o dia. É difícil dar a dimensão exata do valor dos encontros casuais que isso produz.
Sem perder o rumo
Observar a ascensão e a queda de empresas de informática durante minha carreira deixou marcas profundas em mim. Muitas empresas montaram uma equipe fenomenal que criou produtos espetaculares. Tinham os melhores engenheiros, sabiam quais as necessidades dos cliente, tinham acesso a novas tecnologias, tinham gerentes tarimbados. Mas muitas tomaram, no auge do poder, decisões incrivelmente equivocadas - e se tornaram irrelevantes. Como explicar que gente tão inteligente tenha ignorado algo tão crucial para a própria sobrevivência? Lembro que mais de uma vez me indaguei o seguinte: "Se um dia tivermos sucesso, também ficaremos cegos?"
Muitos daqueles que conheci nessas empresas que naufragaram não eram muito introspectivos. Quando a Pixar virou uma empresa independente, jurei que seríamos distintos. Sabia que é extremamente difícil para uma organização analisar a si mesma. Ser objetivo é duro e incômodo. Combater sistematicamente a complacência e expor problemas quando a empresa vai bem devem ser dois dos desafios de gestão mais difíceis de todos. Valores claros, comunicação constante, post-mortens rotineiros e o acréscimo regular de gente nova que desafio o status quo não bastam. Também é essencial haver uma liderança forte - para garantir que as pessoas não aceitem os valores só no papel, não ignorem a comunicação, não manipulem os processos e nem descartem automaticamente observações e sugestões de quem acabou de chegar. Eis uma amostra daquilo que fazemos:
Post-mortem. O primeiro que fizemos, depois de Vida de Inseto, foi muito bom. Já o resultado dos que vieram depois variou muito. Isso me fez refletir sobre como tirar mais dessa prática. Uma coisa que observei foi que, embora aprendam com um post-mortem, as pessoas não gostam de participar de um. O líder, naturalmente, quer usar a ocasião para parabenizar os integrantes de sua equipe. As pessoas, em geral preferem falar sobre o que deu certo a discutir o que não deu. E, tendo passado anos trabalhando no filme, todo mundo quer seguir em frente. Se não houver alguém de olho, as pessoas manipulam o sistema para não ter de confrontar algo desagradável.
Há um punhado de técnicas simples para superar esses problemas. Uma delas é tentar variar o modo com é feito o post-mortem. Já que a meta, por definição, é tirar lições do processo, se repetirmos o formato a tendência é acharmos sempre as mesmas lições, o que não é produtivo. Outra saída é pedir a cada grupo que enumere as cinco principais coisas que faria de novo e as cinco que não faria. O equilíbrio entre o positivo e o negativo ajuda a tornar o ambiente mais seguro. Seja como for, use muitos dados no exame. Já que somos uma organização criativa, as pessoas tendem a presumir que muito daquilo que fazemos não pode ser mensurado ou analisado. É um erro. A maioria dos nossos processos envolve atividades e resultados que podem, sim, ser quantificados. Medimos o ritmo ao qual as coisas ocorrem, com que frequência um trabalho precisa ser refeito, se um determinado material estava totalmente acabado ou não ao ser enviado a outro departamento, e por aí vai. Dados são capazes de mostrar as coisas deu m modo neutro, o que pode estimular o debate e safaiar noções surgidas de impressões pessoais.
Sangue novo. Uma organização de sucesso enfrenta dois desafios ao contratar gente nova, com novas perspectivas. Uma é bem conhecida: a síndrome do "não foi inventado aqui". A outra - a síndrome da "veneração da instituição" (problema com jovens recém-contratados) - costuma ser ignorada.
A primeira, por sorte, nunca nos deu problema, pois temos uma cultura aberta: acolher continuamente a mudança, como fazemos, diminui a ameaça representada pelos recém-chegados. Muita gente de fora - gente de destaque - teve grande impacto sobre nós (devido às idéias empolgantes que nos deram e aos fortes profissionais que atraíram). Esses indivíduos foram prontamente aceitos. Entre eles estão Brad Bird, que dirigiu Os Incríveis e Ratatouille; Jim Morris, que comandou a Industrial Light & Magic por anos antes de vir para Pixar como produtor de WALL-E e vice-presidente executivo de produção; e Richar Hollander, que foi executivo do estúdio de efeitos especiais Rhythm & Hues e hoje lidera uma iniciativa para melhorar nossos processos de produção.
No nosso caso, o problema maior é dar ao jovem que acaba de chegar confiança para dizer o que pensa. Para sanar o problema, adotei a prática de falar durante as sessões de orientação de novos contratados. Ali, falo dos erros que cometemos e dar lições que aprendemos. Minha intenção é convencê-los de que não temos todas as respostas e que queremos que todos questionem por que estamos fazendo algo que, aos olhos deles, não parece fazer sentido. Não queremos que ninguém ache que por termos sucesso tudo o que fazemos é certo.
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Durante 20 anos persegui o sonho de fazer o primeiro filme de animação computadorizada do mundo. Para ser honesto, quando atingi essa meta - quando terminei Toy Story -, fiquei meio perdido. Percebi, no entanto, que a coisa mais incrível que fizera fora ajudar a criar o ambiente singular que permitiu que o filme fosse feito. Ao lado de John Lasseter, minha nova meta passou a ser montar um estúdio que tivesse a profundidade, a robustez e a vontade de seguir buscando as duras verdades que preservam a confluência de forças necessárias à criação de algo mágico. Nos dois anos transcorridos desde a fusão da Pixar com a Disney, tivemos a sorte de acrescentar a essa meta a recuperação da Disney Animation Studios. Foi extremamente gratificante ver os princípios e abordagens que criamos na Pixar transformarem esse estúdio. Mas só saberemos se John e eu atingimos nossas metas se a Pixar e a Disney seguirem produzindo filmes de animação que toquem a cultura do mundo todo de um jeito positivo muito depois de que nós dois, e os amigos que fundaram e ergueram a Pixar conosco, tivermos partido.
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