Se você ainda não leu a 1ª parte, confira aqui e retorne para ler a brilhante continuação do artigo escrito por esse grande responsável pelo sucesso dos maiores e mais bem sucedidos estúdios de animação da história e cujos ensinamentos valem para todas as empresas do mundo e, inclusive, para o nosso próprio crescimento pessoal.
Como a Pixar Promove a Criatividade Coletiva
Ed Catmull (parte 2 de 3)
Poder para quem cria
Na produção de um filme, o poder criativo tem de estar com a liderança criativa. Por mais óbvio que soe, não é o que ocorre em muitas empresas da indústria cinematográfica e, suspeito, de várias outras. A nosso ver, a visão criativa que move cada filme vem de um ou dois indivíduos e não de executivos da diretoria ou de um departamento de desenvolvimento. Nossa filosofia é: busque indivíduos criativos, aposte alto neles, dê a todos enorme liberdade e apoio e crie a seu redor um ambiente no qual possam receber um feedback honesto de todos na empresa.
Depois de Toy Story 2 mudamos a missão do departamento de desenvolvimento. Em vez de gerar novas idéias para filmes (seu papel na maioria dos estúdios), a função de nosso departamento é montar pequenas equipes incubadoras para ajudar os diretores a burilar as idéias que tiverem até um ponto no qual possam convencer John e outros colegas hierarquia acima de que a idéia tem potencial para virar um grande filme. Em geral, cada equipe é formada por um diretor, um roteirista, alguns artistas e criadores de storyboards. A meta do departamento de desenvolvimento é achar indivíduos capazes de trabalhar bem juntos. Durante essa fase de incubação não há como julgar uma equipe pelo material produzido, que ainda é muito cru — há muitos problemas, muita coisa em aberto. O que dá para avaliar, sim, é se a dinâmica social da equipe é saudável e se a equipe está solucionando problemas e fazendo progresso. Tanto a alta gerência como o departamento de desenvolvimento são responsáveis por garantir que essas equipes estejam funcionando bem.
Para frisar que a visão criativa é o que mais importa, dizemos que somos “guiados por cineastas”. Há, de fato, dois líderes: o diretor e o produtor. Os dois formam uma forte parceria. Não só se empenham para fazer um grande filme, mas também operam dentro de limites de tempo, verba e pessoal (um bom artista entende o valor de limites). Durante a produção, deixamos decisões operacionais nas mãos dos líderes do filme e não questionamos nem interferimos em suas escolhas.
Aliás, mesmo quando uma produção enfrenta problemas, fazemos o possível para dar apoio sem minar sua autoridade. Uma solução que encontramos é permitir que o diretor peça a ajuda de um “brain trust criativo” (esse comitê de cineastas é um dos pilares de nosso peculiar processo de produção de filmes entre pares — tema importante ao qual voltarei em breve). Se essa ajuda não bastar, às vezes destacamos um reforço para a produção — um roteirista ou um co-diretor — para suprir uma capacitação específica ou melhorar a dinâmica criativa da liderança criativa do filme.
O que é preciso para que um diretor seja um líder de sucesso nesse ambiente? Naturalmente, nossos diretores precisam saber muito bem como contar uma história que se adapte ao meio que é o filme. Isso significa que precisam ter uma visão unificadora — visão que dê coerência às milhares de idéias que compõem um filme — e ser capazes de transformar essa visão em ordens claras que a equipe possa executar. Precisam armar o terreno para que as pessoas tenham sucesso, suprindo todas as informações de que necessitam para fazer corretamente o trabalho — mas sem dizer como fazê-lo. Na produção de um filme, até a menor das tarefas deve ser responsabilidade criativa de alguma pessoa.
Um bom diretor não só possui forte capacidade analítica, mas é capaz de explorar a força analítica e as experiências de vida dos integrantes da equipe. Tem uma grande capacidade de ouvir e se esforça para entender o raciocínio por trás de cada sugestão. Aprecia toda contribuição, venha de onde ou de quem vier, e faz uso das melhores.
Uma cultura de pares
Algo muito importante — e que nos distingue de outras produtoras de cinema — é a maneira como gente de todos os níveis se apóia mutuamente. Toda pessoa está totalmente comprometida em ajudar as demais a fazer o melhor trabalho possível. Há, realmente, a sensação de que é um por todos e todos por um. Nada ilustra melhor esse fato do que o brain trust criativo e nosso processo diário de revisão.
Brain trust. Esse grupo é formado por John e nossos oito diretores (Andrew Stanton, Brad Bird, Pete Docter, Bob Peterson, Brenda Chapman, Lee Unkrich, Gary Rydstrom e Brad Lewis). Quando sentem necessidade de ajuda, um diretor e um produtor convocam o grupo (e quem mais acharem que possa ser útil) e mostram a versão atual do trabalho em curso. A isso se seguem duas horas de uma animada discussão cuja meta é tornar o filme melhor. Aqui, não há espaço para ego. Ninguém oculta o que pensa só para ser cortês. Só dá certo porque todos os participantes sentem confiança e respeito uns pelos outros. Sabem que é muito melhor ouvir dos colegas que há um problema — quando ainda há tempo para consertá-lo — do que do público, quando já é tarde demais. O poder de solucionar problemas desse grupo é imenso e inspirador.
Depois dessa reunião, cabe ao diretor do filme e a sua equipe decidirem o que fazer com os conselhos ouvidos. Ninguém é obrigado a segui-los, e o comitê de cineastas não tem autoridade. É uma dinâmica crucial, pois deixa todo integrante do comitê livre para dar sua opinião especializada sem pudores — e deixa o diretor livre para buscar ajuda e considerar plenamente o conselho ouvido. Foi algo que levamos um tempo para aprender. Quando tentamos exportar a idéia do brain trust à área técnica, o modelo parecia não funcionar. No final, acabei percebendo por quê: tínhamos dado a esses outros grupos certa autoridade. Tão pronto dissemos “Isso aqui é só para um colega dar sua opinião ao outro”, a dinâmica mudou — e a eficácia dessas sessões de revisão aumentou drasticamente.
A origem do brain trust criativo foi Toy Story. Uma crise ocorrida durante a produção desse filme fez surgir um relacionamento especial entre John, Andrew, Lee e Joe — que tinham uma qualificação notável e complementar. Por confiarem uns nos outros, os quatro conseguiam travar discussões bastante intensas, acaloradas — estavam sempre cientes de que o ardor era voltado à história, que não havia nada de pessoal. Com o tempo, à medida que gente de dentro e de fora engrossava nosso time de diretores, o brain trust cresceu e virou aquilo que é hoje: uma comunidade de cineastas magistrais que se reúnem sempre que um colega precisa de ajuda.
Dailies. A prática do trabalhar junto, como iguais, é central a nossa cultura, e não se restringe a diretores e produtores. Um exemplo é a revisão diária do trabalho — o que chamamos de dailies —, um processo para dar e receber feedback constante de modo positivo, baseado em práticas que John observou na Disney e na Industrial Light & Magic (ILM), o braço de efeitos especiais da Lucasfilm.
Na Disney, somente um grupo seleto de indivíduos conferia os copiões produzidos no dia. Dennis Muren, lendário supervisor de efeitos visuais da ILM, decidiu abrir as sessões a toda a equipe de efeitos especiais (John, que veio para minha equipe de computação na Lucasfilm ao sair da Disney, participou dessas reuniões enquanto criávamos os efeitos de animação digital para o filme O Enigma da Pirâmide).
Ao montar uma equipe de animação para Toy Story, no começo da década de 1990, John usou o que aprendera na Disney e na ILM para criar nosso processo diário de revisão. A pessoa mostra o material em estado bruto à equipe inteira de animação — e, embora caiba ao diretor tomar decisões, todo mundo é incentivado a fazer comentários.
Há vários benefícios. Primeiro, ao superar o constrangimento de mostrar um trabalho inacabado, a pessoa se torna mais criativa. Segundo, o diretor ou o chefe de criação que conduz o processo de revisão pode destacar pontos importantes para a equipe inteira ao mesmo tempo. Terceiro, uma pessoa aprende com a outra, inspira a outra; um detalhe de animação altamente criativo vai estimular os outros a melhorar também. Por último, não há surpresas no final: findo o trabalho, acabou-se. O incontrolável desejo de garantir que o material esteja “bom” antes de mostrá-lo aos outros faz crescer a possibilidade de que a versão acabada não seja aquilo que o diretor queria. O exame diário evita esse desperdício de energia.
E amanhã você confere aqui no Planeta Disney a terceira e última parte desse especial com o artigo de Ed Catmull publicado pela Harvard Business Review.
Nenhum comentário:
Postar um comentário