ROSSET, PRESIDENTE: "Os últimos dez anos têm sido excelentes para a companhia no Brasil" HABITADO POR DUENDES, fadas, princesas e robôs que têm sentimentos, o mundo encantado da Disney é todo colorido. É lá que a imaginação de crianças, adolescentes e até adultos pode alçar vôos e chegar aos destinos mais insólitos. Mas a fantasia pára por aí quando os executivos da unidade brasileira apresentam seus números e metas, realistas e ambiciosos. O Brasil hoje responde por 2% do faturamento mundial de US$ 35 bilhões e figura em segundo lugar entre as operações mais importantes da América Latina, perdendo apenas para o México, que ostenta 3%. "É que temos uma alta carga tributária", lamenta Marcos Rosset, presidente da Disney Brasil. Nem por isso os planos da empresa são tímidos.
A filial brasileira pretende dobrar de tamanho em quatro anos, apostando no aumento do poder aquisitivo das classes C e D e em atrações que conquistem toda a família e não apenas o público infantil. “Nos últimos cinco anos, já registramos esse índice de crescimento”, diz Rosset. Trata-se de uma taxa bem superior à do crescimento mundial, que gira entre 5% e 10% ao ano, mas a base também é muito menor. Rosset tem na manga algumas cartas que podem ajudá-lo nessa conquista: ele comanda todas as linhas de negócios – o que não acontece com outras filiais, nas quais cada linha possui seu próprio presidente –, um atraente pacote de lançamentos e, é claro, a força da marca. “Esse nível de crescimento ainda é mais relevante porque não temos parques temáticos, TV aberta ou rádio Disney. Também não estamos incluídos na programação dos cruzeiros Disney”, afirma.
Um dos principais lançamentos será o canal infantil para crianças entre dois e cinco anos. O antigo programa PlayHouse vai virar canal por assinatura, segmento que é uma das apostas de Rosset para crescer. “Os canais de TV fechado ainda apresentam pouca penetração e, por isso, muito espaço para crescer”, revela ele. A Disney tem ainda os canais Jetix, na linha infantil de quatro a 11 anos, e ESPN, esportivo. Outro impulso para a expansão são alguns filmes arrasa-quarteirões. Segundo o diretor de marketing, Herbert Greco, as seqüências de Carros – prevista para 2012 – e Toy Story 3 – para 2010 – são as mais aguardadas pelo público infantil. “Também apostamos muito na linha Fadas para as meninas”, afirma ele. O primeiro lançamento em DVD e blu-ray (mídia da nova geração) está previsto para o segundo semestre deste ano, com o título Tinker Bell, fazendo uma alusão a Sininho, a fadinha de Peter Pan.
Por enquanto, o Brasil detém cerca de seis mil itens diferentes licenciados por 130 companhias. Com quase 1,4 mil itens de papelaria, o País está entre os cinco maiores consumidores desse segmento. Foise o tempo em que estampar os cadernos com a carinha do simpático Mickey remetia os adultos nostálgicos à era de ouro da Disney, mas não fazia a cabeça da garotada. Por conta dessa política, o grupo mergulhou num processo de estagnação. A marca parecia envelhecida. O que a tirou do ostracismo foi uma volta às origens, com investimentos em filmes de animação utilizando recursos tecnológicos de última geração, como Toy Story e seriados de sucesso, a exemplo de Lost. “Os últimos dez anos têm sido excelentes para a companhia, em particular de 2003 para cá, porque temos apostado e investido na diversificação de conteúdo para atingirmos toda a família”, ressalta Rosset.
Por pelo menos três gerações, os personagens da Disney, entre eles Mickey Mouse, Branca de Neve e Cinderela, representaram o primeiro contato das crianças com o universo do cinema e mesmo com os contos de fada. A fórmula original da Disney para conquistar o público infantil -- e construir um império do entretenimento -- sempre foi simples: desenvolver adoráveis figuras antropomórficas, criar filmes para o cinema e em seguida lançar produtos com a imagem dos personagens, como livros, roupas e brinquedos, para ser comercializados ao redor do mundo. Entorpecidos por uma tradição de décadas, os executivos da Disney nem sequer perceberam quando seus personagens envelheceram e deixaram de acompanhar os anseios das crianças da era da internet e do computador. O descompasso degenerou em asfixia criativa e quatro anos atrás gerou uma profunda e sangrenta crise entre o presidente da companhia -- o prestigiado executivo Michael Eisner -- e os acionistas. Foi sob esse estado de ânimo que o atual presidente, Robert Iger, assumiu a comando em 2005. Desde então, a Disney parece estar desfrutando de uma espécie de renascimento nos programas de TV, nas bilheterias dos cinemas e, conseqüentemente, na Bolsa de Valores de Nova York, onde suas ações são comercializadas. "A troca de comando foi fundamental para a Disney voltar a crescer. Com Iger, o impulso criativo voltou à companhia", diz Diego Lerner, presidente para a América Latina da Walt Disney Company e da Disney Media Networks.
Sob a liderança de Iger, a Disney ultrapassou as fronteiras do público infantil e avançou sobre a pré-adolescência, conquistando os comumente ávidos consumidores na faixa dos 9 aos 14 anos. No Disney Channel, canal pago da emissora, os desenhos de Mickey, Pateta e Pato Donald tornaram-se coadjuvantes e perderam espaço para uma infinidade de séries especialmente criadas para esse público. O mais recente sucesso é o seriado Hannah Montana, sobre as aven turas de uma garota de 14 anos, Miley Stewart, que leva vida dupla, como uma menina normal na escola durante o dia e uma cantora famosa, à noite. Lançada em 2006, a série conquistou mais de 160 milhões de telespectadores em todo o mundo. O CD com a trilha sonora vendeu 8 milhões de cópias e o DVD, 3 milhões em todo o mundo. O filme baseado na turnê -- atualmente em exibição no Brasil -- arrecadou, desde a estréia, em fevereiro, 70 milhões de dólares apenas nos Estados Unidos, dez vezes mais que os 7 milhões investidos na produção. High School Musical, de 2006, é outro fenômeno musical que conquistou o público pré-adolescente. O DVD da série vendeu 400 000 unidades apenas no primeiro dia de lançamento e a versão romantizada em livro vendeu mais de 350 000 exemplares nos Estados Unidos. Reforçada pelo sucesso dessas duas produções, a divisão de canais a cabo da Disney foi a que mais cresceu dentro da "Casa do Rato" -- House of Mouse, forma como o conglomerado Disney é chamado -- atingindo receita de 9 bilhões de dólares, aumento de 12% em relação ao ano anterior.
Boa parte do novo impulso criativo da Disney se deve a uma injeção do mesmo tipo de cultura que transformou a Apple em uma usina de inovação. Tudo começou com a compra, há dois anos, da Pixar, estúdio de animação criado por Steve Jobs -- o fundador da Apple --, em 1986. Foi um caso típico em que a cultura vencedora da empresa comprada se infiltrou e sobrepôs à da compradora. A Pixar é hoje a maior referência em animação digital -- seja em excelência técnica, seja em criatividade. Com 20 Oscar no currículo, a empresa mantinha uma parceria de distribuição com a Disney desde 1991 que quase foi rompida em decorrência da briga de egos entre Jobs e Eisner em 2004. Com a chegada de Iger, iniciou-se um processo de reaproximação que resultou na aquisição. Hoje, Jobs faz parte do conselho de administração da "Casa do Rato". O vice-presidente executivo da Pixar, John Lasseter, considerado a maior força inspiradora por trás das produções do estúdio, assumiu o cargo de executivo-chefe para a área de criação de toda a divisão de animação do conglomerado e passou a acumular o posto de conselheiro criativo da Disney Imagineering, empresa que projeta as atrações dos parques temáticos da Disney. Os parques, alguns deles em estado de conservação tão precário que eram alvo de protestos na internet -- como a Disneylândia, no estado da Califórnia --, ganharam brinquedos inspirados nos filmes da Pixar, como Toy Story e Procurando Nemo. O resultado foi perceptível nos números: o lucro da divisão de parques cresceu 11% entre 2006 e 2007 e a divisão de filmes cresceu 64% no mesmo período. "Ao comprar a Pixar, Iger deu um passo fundamental para a revitalização", diz Marcos Rosset, presidente da Disney no Brasil. "Filmes bem-sucedidos têm impacto direto em vários negócios, dos parques de diversões ao licenciamento de marcas."
O efeito Iger
Depois de assumir a presidência da Disney, em outubro de 2005, Robert Iger renovou a marca, modernizou os produtos e conquistou os acionistas. Os resultados:
Faturamento (em US$ bilhões)
2004 30,7
2005 31,9
2006 34,3
2007 35,5
Lucro (em US$ bilhões)
2004 2,3
2005 2,5
2006 3,4
2007 4,7
Desempenho das ações
(Bolsa de Nova York, em dólares)
abr/2003 17,77
out/2005 23,64
abr/2005 32,36
Ao contrário do exuberante Michael Eisner, Robert Iger sempre encarnou o papel de executivo discreto e dedicado. Quando assumiu o comando do conglomerado, sua primeira medida foi diluir a concentração de poder que seu antecessor agregou ao cargo de presidente -- Eisner fazia questão de dar a palavra final sobre todas as decisões da companhia. Com Iger, os presidentes de cada uma das empresas do grupo voltaram a ter voz ativa nos projetos estratégicos como forma de restaurar a autonomia criativa de cada área e deter o êxodo de talentos que tomou conta da empresa. "A companhia era excessivamente reverente à tradição e não tanto ao consumidor", diz um executivo de uma empresa concorrente de entretenimento. "Iger está conseguindo revitalizar a marca Disney porque está criando produtos com os quais o público se identifica e oferecendo os conteúdos em canais onde há mais demanda." Algumas das medidas adotadas por Iger surpreenderam, como a distribuição de produtos da Disney em novas mídias e novos formatos. A empresa fechou um acordo histórico com a Apple, de Jobs, para vender episódios das séries Lost e Desperate Housewives pelo iTunes para downloads em iPods, por 1,99 dólar cada. Além de expandir a distribuição dos conteúdos de suas séries, a empresa tornou-se o primeiro grande estúdio a colocar filmes de longa-metragem no iTunes, com 75 títulos para download, como Piratas do Caribe e A Lenda do Tesouro Perdido. Apenas na primeira semana de oferta dos filmes, foram realizados 125 000 downloads, no valor de 1 milhão de dólares. "Medidas como essa fizeram com que a Disney voltasse a ser vista como uma empresa de vanguarda, na qual vale a pena trabalhar", diz um alto executivo da companhia nos Estados Unidos.
As atrações da Disney
Nos últimos 18 meses, o conglomerado passou por uma radical transformação — fez aquisições, centrou em um novo segmento de público e investiu em inovação.As principais novidades:
CLUB PENGUIN
A Walt Disney comprou o site Club Penguin por 350 milhões de dólares em agosto de 2007. Trata-se de um mundo virtual nos moldes do Second Life, voltado para crianças, com 700 mil assinantes e 12 milhões de visitantes em todo o mundo
HANNAH MONTANA
Lançada em 2006, a série de TV tornou-se uma febre entre o público juvenil e tem mais de 164 milhões de telespectadores em todo o mundo. A série rendeu dois CDs, quatro DVDs, um videogame e um filme para cinema
UGLY BETTY
Inspirada na telenovela colombiana Yo Soy Betty La Fea, a série estreou em 2006 e consagrou-se como um dos grandes destaques da rede ABC nos Estados Unidos, com média de 13 milhões de telespectadores
HIGH SCHOOL MUSICAL
Série voltada para adolescentes lançada em 2006, teve mais de 40 milhões de espectadores nas primeiras semanas de exibição, rendeu dois longas-metragens e seus DVDs venderam mais de 2 milhões de cópias
PIXAR
A compra do estúdio em 2006, por 7,4 bilhões de dólares, transformou a cultura de inovação da empresa — um dos maiores sucessos depois da aquisição, Rattatouille, arrecadou 553 milhões de dólares
COMO TODAS AS GRANDES EMPRESAS globais, a Disney também passou a dar maior atenção aos mercados emergentes. Iger já declarou algumas vezes que é preciso equilibrar investimentos entre os mercados mais maduros e países como Rússia, Índia, China e Brasil. Embora não exista previsão de novos parques nesses países -- a China é o único que tem um deles, localizado em Hong Kong -- , a empresa tem apostado na criação e na adaptação de séries e filmes para mercados regionais, produzidas em parceria com produtoras locais. Versões da série High School Musical já estão sendo preparadas no México, na Argentina e no Brasil -- por meio de uma parceria com o SBT. Além disso, também estão sendo produzidos filmes inspirados nos costumes e nas culturas de países emergentes, como Rússia e Índia. Nessa linha, a Disney conquistou a China com um filme sobre uma abóbora -- e não se trata de Cinderela. No ano passado, lançou The Magic Gourd (A Abóbora Mágica), baseado em um conto chinês e falado em mandarim. Como na China há um rigoroso controle sobre a mídia estrangeira, os personagens da Disney ainda são relativamente desconhecidos por lá. Daí, a opção por um longa-metragem baseado em um livro infantil do escritor Zhang Tianyi, sobre um garoto que encontra uma abóbora capaz de lhe conceder desejos. O filme chinês é o exemplo mais bem acabado do esforço da Disney para expandir suas fronteiras -- seja com ou sem o velho Mickey Mouse.
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